O novo (e descontinuado) motor 1.6 álcool. E seu substituto.

Revista Motor 3 nº 26 – Agosto de 1982
Texto de José Luiz Vieira e Paulo Celso Facin
Fotos de Alex Soletto

Motor 3 nº 26 - Teste do Passat TS a álcool

A partir do começo do mês de abril passado, a Volkswagen colocou à disposição de seus clientes da linha Passat um novo e interessantíssimo motor 1.600 refrigerado a água, para utilização com combustível álcool etílico hidratado. Mas a Volks fez isso à mineira: praticamente sem dizer nada a ninguém. A grande maioria dos jornalistas que cobre a indústria automobilística só veio a saber do novo motor quando do lançamento da perua Parati em Atibaia, Interior de São Paulo, em junho passado.

Por mais que pedíssemos, porém, não conseguimos que o pessoal de Imprensa nos emprestasse um carro com esse motor – até que, em fins daquele mês, recebemos um TS assim equipado.

E que motor bom! Torque e potência suficientes para fazer face a qualquer TS a gasolina – uma excelente recomendação, tendo em vista a imagem de brigador civilizado do modelo topo-de-linha da Volkswagen. Potência máxima de 81 CV a 5.200 rpm, torque máximo de 12,0 kgm a 4.000 rpm, ótima regularidade de funcionamento, muito boas condições de partida a frio, ignição eletrônica, carburador com o atualmente universal tratamento superficial em cobre e níquel, válvula bimetálica para controle de temperatura do ar de admissão, bomba de combustível com tratamento em cádmio, válvula de controle de pressão dos gases de carter, distribuidor com avanço mecânico centrífugo.

Passat TS - Motor 1.6 a álcool: 6 CV a mais na potência e 0,2 kgm a mais no torque.
Motor 1.6 a álcool: 6 CV a mais na potência e 0,2 kgm a mais no torque.

Comparado com o 1.6 TS a gasolina, esse motor tem 6 CV a mais, atingidos a 200 rpm a menos; e 0,2 kgm a mais, a 1.000 rpm a mais. Devido ao fato de que seu torque máximo aparece mil rotações mais tarde, ele acaba dando a impressão de andar menos do que o motor a gasolina. Na realidade, anda mais, quando colocado contra o cronógrafo – mas o modelo a gasolina, por ser mais civilizado (torque mais em baixo) é mais fácil de se guiar e manter voando baixo.

Mas, se a comparação com o TS “clássico” já é interessante, ela se torna hipervantajosa quando feita com o “TS” álcool anterior – um tremendo engana-trouxa, autêntico cordeiro em roupas de lobo. Foram 5.656 TS e 981 LSE comercializados com motor 1.5 normal, com “todos” os seus 59 CV a 5.200 rpm e 9,9 kgm a 3.200 rpm. Claro que a Volkswagen avisava, em letras minúsculas no fim da página do contrato de compra e venda, que o motor era o 1.5 – mas não foi exatamente assim que essa companhia conquistou sua posição de confiabilidade em mercado, com seus Fuscas de grande qualidade e excelente garantia de serviços. Sabemos que a Engenharia foi radicalmente contra colocar o motor menor e bem mais anêmico nos TS, mas que foi vencida pelo pessoal de Marketing. Uma pena.

O novo 1.6 a álcool seria mais do que suficiente para apagar a má impressão deixada pelo TS 1.5. Mas não terá muito tempo para fazê-lo, já que será descontinuado em breve e substituído por uma nova linha de motores. Essas novas unidades de força serão mais do que adequadas a continuar o trabalho de restauração de imagem – e alguma coisa a mais.

Antes de entrar no assunto de novos motores, porém, será interessante dar uma espiada naquilo que faz do 1.6 álcool refrigerado a água um motor tão bom, além das especificações já vistas acima.

Passat TS - Na admissão do ar, válvula do sistema (esq.). Reservatório de gasolina (dir.)
Na admissão do ar, válvula do sistema (esq.). Reservatório de gasolina (dir.)

Utilizando o mesmo sistema (Thermac) de pré-aquecimento de mistura do Monza, o TS 1.6 tem sua operação a frio facilitada por um novo tipo de afogador mecânico, com mecanismo de alavancas, mola e came. Numa condição de partida a frio, pode-se partir para um aumento de rotação do motor e/ou um enriquecimento da mistura carburante. O novo afogador permite trabalhar melhor com as diversas variações percentuais desses dois fatores. A diferença que esse novo afogador faz, em relação a um mesmo motor com o afogador anterior, é enorme. Devido, também, às novas condições de aquecimento rápido, o comportamento deste motor é muito superior ao do anterior, com 1,5 litro de deslocamento.

MD-270

No fim do atual mês, estarão sendo colocados à venda os novos motores refrigerados a água da Volkswagen, denominados MD-270. Dentro de mais sessenta dias, a mesma coisa estará acontecendo com a versão alcoolizada. Nos dois casos, e pela primeira vez na história da VWB, haverá escolha de duas transmissões diversas para as versões álcool e gasolina dos novos motores. Essas unidades de força já são bem conhecidas na Alemanha. Em linhas gerais, são os mesmos 1.6 nossos conhecidos, mas com comando de válvulas menos bravos, ostentando mais torque e menos potência, ambos a rotações mais baixas. Para que os manicacas de TS não fiquem logo arrancando os cabelos, deixemos claro já de início que a perda em velocidade máxima será pequena, e mais do que compensada pelas novas características de maciez operacional, economia, durabilidade de conjunto motriz, redução de nível de ruído e melhora de acelerações a baixas velocidades. Tudo isso desde que a transmissão escolhida seja a atual. A transmissão opcional vem sob o nome de “3+E”. O que isso significa é que ela tem as três primeiras marchas praticamente cobrindo as quatro marchas da atual – e a quarta marcha em sobremultiplicação, ou overdrive. Essa quarta marcha baixará a rotação do motor mais de vinte por cento em relação à atual quarta, trazendo os apontados benefícios de maciez operacional, menor nível de ruído e economia significativamente maior. Na realidade, ela estará fazendo o papel de uma quinta marcha, como nos atuais Corcel, Chevette e Opala – e os futuros Monza, Passat, Voyage etc. (esses últimos um pouco mais para a frente, já que a colocação de uma tão desejável quinta marcha numa caixa Passat não é facilmente exeqüível, devido a limitações estruturais e físicas).

As divisões mercadológicas das duas transmissões são claras: quem gosta de andar sempre forte, fica com a convencional; quem se contenta com um pouco menos de desempenho a favor de mais conforto, economia e silêncio, fica com a “3+E”. Até mesmo geograficamente as transmissões deverão ter seus adeptos específicos; quem mora em regiões planas (litorâneas, altiplano brasiliense etc) provavelmente preferirá a “3+E”; quem mora em regiões de grandes acidentes orográficos, ficará com a outra.

As diferenças de desempenho entre o motor 1.6 atual e o 1.6 MD 270 não serão muito grandes – geralmente não mais de um décimo de segundo em qualquer circunstância. Em certos casos, aliás, o 270 com a transmissão convencional será mais rápido do que o atual, graças a seu melhor torque, atingido a rotações mais baixas. Já o 270 com o “3+E” perderá de um décimo de segundo a quatro segundos e meio, dependendo das circunstâncias – uma ultrapassagem de 80 a 120 km/h, por exemplo, em quarta, sem mudança de marcha. Se o condutor puxar uma terceira neste momento, poderá calmamente trazer seu tempo para bem perto do obtido com a caixa normal.

MOTOR 3 espera com ansiedade as novas motorizações VWB.

José Luiz Vieira

Passat TS a álcool 1982

Como se comporta esse novo motor

Como era de se esperar, a cada novo carro dotado de motor a álcool recebido para avaliações por nossa equipe, torna-se patente a evolução lenta mas constante da tecnologia envolvida no desenvolvimento dos veículos alimentados pelo combustível vegetal. Foi assim também com o Passat TS, retirado por nós no dia 29 de junho e submetido a todas as nossas verificações durante o inverno paulista – que não é o pior do Brasil mas já costuma complicar um pouco a vida dos modelos alcoólatras.

Nosso TS pinguço foi deixado, propositalmente, ao relento durante as frias noites paulistanas. E a operação de partida a frio, nas manhãs seguintes, sempre se processou sem problemas. O sistema envolve um recipiente de gasolina junto ao bloco do motor, um afogador manual na parte esquerda do painel e um botão para injeção da gasolina na cuba do carburador, além de uma pequena luz-espia sobre a coluna do volante de direção. As instruções afixadas no pára-brisa (em plástico transparente) mandam puxar o afogador até o fim, acionar o arranque ao mesmo tempo em que se pressiona o botão da gasolina, sem pisar no acelerador. Em todas as ocasiões a resposta foi automática e sem falhas, com o motor entrando em funcionamento na primeira tentativa e o afogador podendo ser gradativamente devolvido à sua posição original em pouco tempo. Duas semanas de uso nessas condições esvaziaram apenas metade do recipiente de gasolina. E no restante do dia, mesmo quando o carro ficava parado até o fim da tarde, não mais era necessário usar o botão de partida a frio; bastava puxar um pouco o afogador e acionar o arranque.

Passat TS a álcool 1982 - Afogador
Afogador e botão para partido a frio.

Outro aspecto importante: o TS a álcool alcança logo sua temperatura mais adequada de utilização; e daí em diante nada indica ao motorista qual tipo de combustível está sendo queimado. Não há falhas, engasgos, soluços ou indecisões no comportamento do motor.

Considerado em termos de desempenho esportivo, que sempre foi a marca registrada da versão TS aqui no Brasil, pode-se dizer que o modelo a álcool tem acelerações apenas ligeiramente inferiores às do carro similar a gasolina, mas sua velocidade final é um pouco superior.

Nas arrancadas a partir da imobilidade o TS a álcool registrou tempo de 13,06 segundos para chegar aos 100 km/h, com 18,38 segundos para cruzar a marca dos primeiros 400 metros e 34,55 segundos para vencer o primeiro quilômetro. Nas retomadas, simulando ultrapassagens em estradas, ele subiu dos 40 aos 80 por hora em 5,93 segundos (exatamente o mesmo tempo anotado pelo TS a gasolina), e dos 80 aos 120 em 10,92 segundos (um segundo e três décimos mais lento que o outro).

Sua velocidade máxima alcançou marcas muito boas em todas as passagens feitas em sentidos diferentes, anotando média de 161,5 km/horários reais. Um quilômetro lançado medido já no plano mas começando cerca de 600 metros após uma descida, teve tempo de 21,38 segundos, que equivale a excelentes 168,3 km/horários, com o conta-giros acusando 6.500 rpm (número um tanto exagerado para a quarta marcha do TS). Essa marcação foi desconsiderada em nossa média, ficando a melhor passagem com 163,8 km/horários reais (ver dados completos na Tabela Comparativa publicada junto com a avaliação do Monza SL/E a álcool (Página 31).

O consumo foi também correto para um carro a álcool. Sua média urbana foi de 7,1 km/litro, com anotações parciais de 6,7 para trechos mais cheios e 7,5 km/litro em bairros e avenidas desimpedidas: tal performance equivale a um custo de Cr$ 10,14 por quilômetro rodado em cidade. Em viagem a média chegou a bons 10,33 km/litro, representando autonomia de 465 quilômetros e um custo de Cr$ 6,97 por quilômetro. As marcações parciais em rodovias foram de 11,9 km/litro para manter 80 por hora constantes em pistas de bom traçado e de 8,8 km/litro para acompanhar a vazão normal mais rápida de uma estrada livre, velocímetro registrando entre 100 e 120 por hora.

A estabilidade do TS continua muito boa mas sem ser ótima. Enquanto fazíamos nossas verificações em Interlagos, comentávamos que em 1974, quando de seu lançamento no Brasil, o Passat veio revolucionar o conceito de estabilidade entre nós e logo se tornou o mais estável carro de passeio produzido aqui. Mas nesses oito anos a indústria brasileira evoluiu, o comprador tornou-se mais consciente e exigente, novos conceitos (entre eles, o do carro mundial) chegaram e o estável Passat se viu destronado daquela posição. Hoje, na própria Volkswagen há modelos que o superam em curvas, como o Voyage e a perua Parati. A GM mostra o que sabe com a linha Chevette (especialmente a Marajó) e agora com o ótimo Monza. E a própria Fiat revela enorme conhecimento de causa com a linha 147, composta por carrinhos que gostam de fazer desaforos em curvas, principalmente nas de baixa velocidade.

O nível de ruído da linha Passat foi bastante melhorado pela Volkswagen. Nossas medições com o TS a álcool, realizadas com o apoio técnico do Luis Octávio, da Real Equipamentos de Segurança, indicaram 82 decibéis no limite da primeira marcha com vidros abertos, 74 dBA para rodar a 80 por hora com vidros fechados e 79 dBA mantendo 100 por hora (outros dados na Tabela do Monza).

O Passat TS a álcool, com seu novo motor 1.6 e dupla carburação, nada ficou a dever ao seu irmão a gasolina. Em muitos aspectos, aliás, chegou mesmo a superá-lo (por exemplo, na velocidade máxima). Mas seu maior apelo está no desempenho correto e seguro, obtido por um carro econômico graças ao preço do álcool (Cr$ 72,00 por litro na época).

Uma falha que precisa ser sanada, em nome da segurança: três ou quatro vezes, após manobrar e encostar o carro, trancar a porta e começar a me afastar, fui surpreendido pelo som da ventoinha do radiador começando a funcionar, chamada às falas pelo termostato do sistema de refrigeração. Nos veículos em que a ventoinha é acionada em função da temperatura do líquido de refrigeração há dois sistemas: o de embregem de acoplamento eletromagnético, como usado no Coreel II, e o de acionamento elétrico tipo motor de ventilador, como no Passat, Fiat e Monza. No primeiro caso, se o motor estiver desligado a ventoinha não pode girar pois sua polia não terá comando. No segundo caso, quando se corta a ignição a ventoinha pára, sendo inclusive comum (e adequado) deixar que o ciclo se complete antes de desligar a chave no contato. O Passat (e por extensão o Voyage e a Parati) era assim antes, mas de alguns anos para cá trouxe um novo sistema que permitia ficasse ligada a ventoinha mesmo após desligar a chave no contato, terminando o ciclo de refrigeração normal. Até aí, tudo bem. Mas nesse que avaliamos agora a ventoinha ligava inesperadamente depois da chave desligada, e isso pode ser um sério risco para alguém que vá mexer nas suas imediações com o motor ainda aquecido. Sugerimos um reestudo do sistema.

Passat TS a álcool 1982

Compare com o TS a gasolina

Até esta edição MOTOR 3 não havia publicado uma avaliação com o Passat TS a gasolina, embora no nosso número 17, novembro de 1981, tenhamos mostrado os resultados obtidos com um LS dotado do motor 1.6, então uma novidade.

Agora, para que nossos leitores possam ter uma comparação mais direta entre as duas versões do TS 1.6, expomos a seguir os dados de desempenho e consumo obtidos com um TS a gasolina “sonho de boy” (todo preto).

Nas arrancadas ele foi de zero a 100 por hora em 12,63 segundos, com uma vantagem de 43 centésimos sobre o similar a álcool. Essa vantagem diminuiu bem daí em diante, com 18,35 segundos para vencer os primeiros 400 metros e 34,50 para cobrir o primeiro quilômetro (18,38 e 34,55 no TS álcool). As retomas foram de 5,93 segundos para reacelerar de 40 a 80 por hora e de 9,62 para subir dos 80 aos 120. A máxima do carro a gasolina foi de 159,9 km/horários, como média de quatro passagens em sentidos opostos, ficando a melhor delas com 162,8 km/horários reais.

O consumo de gasolina foi de 8,9 km/litro em cidade, com parciais de 8,1 km/litro nos trechos urbanos pesados e 9,7 km/litro em áreas mais descongestionadas, como bairros afastados do centro e avenidas; o custo do km rodado em cidade foi de Cr$ 14,04 (gasolina a Cr$ 125,00). Em estrada a média do TS chegou a 12,9 km/litro, autonomia de 580 quilômetros e cada km rodado custando Cr$ 9,68. As anotações parciais indicaram 14,7 km/litro para rodar a 80 constantes em pistas bem traçadas e 11,0 km/ litro para acompanhar a vazão rápida entre 100 e 120 por hora.

O tipo de ruído acusou índices similares no decibelímetro e as frenagens de ambos foram iguais: decelerações de 100 por hora a zero em 40,6 metros, sem fugas laterais.

Paulo Celso Facin

Agradecimentos ao leitor Marcelo Spedo pelo envio da matéria!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *