O ano é 1978 e você dispõe de Cr$100.000,00 para adquirir um carro 0km. Quer um veículo de tamanho médio para os padrões brasileiros, com desempenho e consumo satisfatórios, bom espaço interno e capacidade de bagagem. O que você escolheria? Em um mercado pouco variado como o que tínhamos na época, boa parte dos consumidores acabava ficando entre duas opções nesta categoria e valor: Passat ou Corcel II. Não vamos esquecer do Dodge Polara, claro. Mas neste artigo vamos nos ater à dupla de maior número de vendas.
E foi em 1978, aliás, que o Passat teve um de seus melhores índices de venda: 73.381 unidades apenas para o mercado interno, sem contar com as exportações. Estes números estão disponíveis aqui mesmo na Home-Page do Passat, em um artigo próprio. Não conseguimos o número de vendas apenas para o mercado interno do Corcel II para 1978, mas foram produzidos 84.647 unidades durante o ano. Estes números incluem também as exportações e mostram que foi um ano bem equilibrado entre eles. Excluímos a produção da Belina, por se encontrar em outra categoria.
E já que há exatos 40 anos estas duas opções faziam sucesso em sua faixa de preço e tamanho, vamos reviver um pouco deste duelo. Nosso objetivo não é fazer um artigo defendendo o Passat frente a um de seus principais concorrentes da época. Pelo contrário, a idéia é mostrar as qualidades e defeitos dos dois modelos e assim poder explicar porque eles se dividiam no gosto do consumidor de 1978. Afinal, a história deve ser contada com imparcialidade.
Para isso, escolhemos dois exemplares em ótimo estado de conservação e com alto índice de originalidade. Assim, conseguimos chegar ao mais próximo possível das impressões de um motorista na mesma época. O Passat LS na cor Verde Indaiá pertence ao Ian Felipe Barros e o Corcel II L na cor Bege Atenas pertence ao Bruno Lara. Ambos são sócios do Passat Clube – RJ e agradecemos a eles pela tarde de ensaio fotográfico e passeios necessários para realizar esta matéria.
A opção por estas versões de acabamento foi meramente por conta dos seus valores quando 0km. É a mesma escolha, por exemplo, da revista Quatro Rodas em sua edição nº 208 (novembro de 1977), que também adicionou o Dodge Polara GL ao comparativo. Utilizando a tabela de preços de carros novos da revista Auto Esporte de Janeiro de 1978, temos o Corcel II L com o valor de Cr$94.702,00, enquanto o Passat LS 2 portas estava tabelado em Cr$96.291,00. Valores, portanto, bem próximos.
O Passat L, que ainda se encontrava na tabela, possuía um valor sensivelmente menor: Cr$89.797,00. Já o Corcel LDO, a versão mais luxuosa disponível, custava Cr$108.371,00 (mais caro até mesmo que o Passat TS e o próprio Corcel GT).
Os dois exemplares usados nesta matéria passaram por poucos donos. Em ambos os casos, o primeiro proprietário ficou com o carro por mais de 30 anos. Eles foram comprados 0km com apenas 15 dias de diferença. No dia 31 de março de 1978, o Passat LS na cor Verde Indaiá foi adquirido na concessionária Anasa, em Niterói (RJ). Pouco depois, no dia 14 de abril, o Corcel II L na cor Bege Atenas deixava a concessionária Santos Carvalho, em Muriaé (MG).
Corcel II L
Vamos começar as impressões pelo “visitante”. O Corcel II fez sua estréia na linha 1978, trazendo diversas novidades em relação ao Corcel. O novo desenho da carroceria era bem atual para a época, já utilizando faróis retangulares, o que começava a virar tendência no Brasil. Também para a linha 1978, por exemplo, o Dodge Polara trocava seus faróis circulares por um par de faróis retangulares. O mesmo aconteceria com o Passat, como sabemos, apenas para a linha 1979.
Outros modelos acabaram seguindo a mesma receita com o passar do tempo. A única opção disponível para o Corcel II a partir da nova linha era a carroceria de 2 portas, seguindo o gosto do brasileiro. As portas, por sinal, eram enormes. Isso as tornou pesadas, mas facilitava o acesso dos passageiros ao banco traseiro.
Apesar de parecer maior, o Corcel II tinha praticamente o mesmo tamanho do Corcel até 1977, e exatamente a mesma distância entre eixos. Porém, era cerca de 5cm mais largo e 2cm mais baixo. Com isso, seu peso era de cerca de 960kg. O porta-malas era amplo e contava com iluminação. Sua capacidade era de 380 litros, segundo o sistema utilizado pela revista Quatro Rodas. O estepe tinha fácil acesso, localizado em pé, do lado esquerdo.
Já a mecânica não sofreu grandes alterações. Permanecia a mesma mecânica 1.4 de origem Renault O motor já conta com a embreagem eletromagnética, opcional, que aciona a ventoinha do radiador apenas quando a temperatura atinge determinada temperatura. Como a ventoinha tem acionamento mecânico, através de correia, o uso desta embreagem poupa alguns cv do motor quando ela não está acionada, auxiliando também na economia de combustível.
É fácil encontrar a posição ideal para dirigir o Corcel II e seus bancos são bem confortáveis. Não há apoio de cabeça, nem como opcional, em nenhuma versão. O painel é simples, mas de fácil leitura. Não há, por exemplo, marcador de temperatura da água. Essa função fica a cargo de uma luz-espia que indica quando a temperatura chega a um determinado limite. Falta também um relógio e o hodômetro parcial.
O acionamento do farol alto é feito com o pé esquerdo, próximo ao pedal da embreagem, assim como em outros carros nacionais até os anos 70. Com exceção do rádio, todos os comandos estão próximos e não é necessário desviar a atenção do trânsito. O freio de mão enfim se encontra no lugar tradicional, entre os bancos dianteiros, ao contrário do que acontecia antes.
Os cintos de segurança dianteiros são abdominais. Vale destacar que o Corcel II foi o primeiro carro nacional a sair de série com pára-brisa laminado, um importante item de segurança. O porta-luvas conta com iluminação, assim como as portas no momento de abertura. O limpador de pára-brisa não conta com temporizador, que era opcional, assim como o esguicho elétrico do lavador. Os vidros laterais traseiros poderiam ser basculantes, como era o caso do exemplar testado, melhorando a renovação do ar do interior.
No geral, apesar de não ser a versão mais cara da linha, o Corcel II L tem bom acabamento. Na verdade, até o Corcel II Standard tem o seu interior bem acabado e com materiais de qualidade, mesmo sendo a versão mais simples daquele ano. Ponto para a Ford, que durante muitos anos teve essa característica.
Com o carro em movimento, percebe-se que ele não faz feio no trânsito urbano. O motor 1.4 é modesto, mas valente. Seu funcionamento é mais silencioso que o do Passat. O câmbio poderia estar posicionado um pouco mais para trás e o curso do engate das marchas é levemente mais longo que o do Passat. Mas tudo isso é mera questão de costume.
Durante o trajeto, preciso dar um toque na buzina e o reflexo me faz pressionar, sem sucesso, o centro do volante. Por um momento me esqueço que o acionamento da buzina se dá na extremidade da alavanca das setas. Mais uma característica comum em veículos franceses, o que mostra a origem do projeto. Este tipo de acionamento permaneceu até o final da produção da linha, inclusive no Del Rey.
O servo-freio era opcional, e o exemplar testado não possui este equipamento. Portanto, era necessário um pouco mais de força no pedal do freio. Ainda assim, o carro pára na distância esperada e sem qualquer desvio de trajetória.
A suspensão do Corcel II trabalha de maneira macia, trazendo conforto aos ocupantes. Mesmo com este molejo, ele tem boa estabilidade e não assusta nas curvas. Parte dessa qualidade certamente se deve aos pneus radiais largos, de medida 185/70 SR 13, que eram opcionais. Sim, as versões Standard e L ainda usavam pneus diagonais de série.
O exemplar testado também tinha como opcionais as rodas chamadas de esportivas no material publicitário da época, de tala 5″ (as mesmas que equipavam de série o LDO e GT), ao contrário das rodas de tala 4,5″ de série. A conclusão é que o Corcel II é um carro bastante agradável de guiar.
Passat LS
Depois de experimentar o Corcel II, chegou a vez de dirigir o modelo que é nosso velho conhecido. O Passat LS 1978 trazia apenas pequenas novidades em relação ao modelo 1977, como novas cores e opcionais. O desenho da carroceria permanecia bem atual, mas com 4 anos de mercado, já pedia alguma inovação para cativar o público consumidor.
Ao contrário do novo Corcel II, o Passat LS estava disponível com 2, 3 ou 4 portas, sendo esta última opção a de menor sucesso no mercado. Seu porta-malas tinha capacidade para 246 litros, segundo o sistema utilizado pela revista Quatro Rodas. O estepe está posicionado no assoalho. Apesar de não ocupar espaço das malas, no caso da necessidade de troca de um pneu com o porta-malas cheio, é preciso retirar boa parte da bagagem para acessá-lo.
Favorecido até mesmo pelo hábito, encontro com facilidade a posição ideal de dirigir. A regulagem do encosto do Passat não é contínua como no Corcel II, mas sim com posições pré-definidas. O assento é mais estreito, porém levemente mais comprido, dando maior apoio às pernas. Assim como no seu concorrente, os comandos do Passat também estão todos bem próximos, ficando apenas o rádio em posição mais distante.
O painel do Passat LS é mais completo que o do Corcel II, contando com relógio, indicador da temperatura da água e hodômetro parcial. O volante da linha 1978 era o mesmo utilizado desde o início, porém com novo botão de acionamento (o mesmo que foi utilizado também de 1979 a 1982, já com o novo volante). Ele possui aro fino e de grande diâmetro, assim como o modelo da Ford.
Os cintos de segurança dianteiros do Passat são de 3 pontos, o que constitui vantagem neste item de segurança. Entretanto, o pára-brisa ainda era o de vidro temperado, que em caso de acidentes se estilhaçava, provocando ferimentos aos ocupantes do veículo. O limpador de pára-brisa conta com temporizador e o lavador é acionado por uma bomba elétrica, sendo ambos itens de série da versão LS.
Não há iluminação do porta-luvas ou porta-malas. Reforço aqui o melhor cuidado no acabamento que a Ford tinha em relação aos VW. O espaço do banco traseiro era levemente maior, apesar do melhor acesso do Corcel II. Apesar de tudo, em nenhum dos dois modelos é possível que 3 adultos viajem com conforto no banco traseiro.
Durante o test-drive, foi notável o melhor desempenho do Passat. As respostas do BR 1.5 são mais rápidas em saídas de sinal ou retomadas. O curso do engate das marchas é mais curto e a posição do câmbio é mais agradável, não tão a frente como no Corcel II. O nível de ruído, por outro lado, é sensivelmente maior. O servo-freio era item de série, aumentando a segurança.
A boa estabilidade do Passat não é novidade. O carro se sai muito bem no uso urbano e em estradas. A suspensão é menos macia que a do Corcel, não tendo aquele molejo típico. O exemplar foi testado com as rodas originais de tala 4,5″, mas com pneus 175/70 SR 13 que eram de série apenas nos Passat TS, LSE e 4M no ano de 1978. A medida original, 155 SR 13, já não é fácil de encontrar para venda.
Desempenho e consumo
Publicamos a seguir os números de desempenho e consumo obtidos pela revista Quatro Rodas na sua edição de nº 208 (novembro de 1977), para uma melhor comparação entre os modelos:
Aceleração |
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Corcel II | Passat | |||
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Variação de velocidade (km/h) | Tempo em segundos | Marchas usadas | Tempo em segundos | Marchas usadas |
0 – 40 | 3,47 | 1ª | 3,25 | 1ª |
0 – 60 | 7,10 | 1ª/2ª | 6,43 | 1ª/2ª |
0 – 80 | 12,90 | 1ª/2ª | 10,45 | 1ª/2ª |
0 – 100 | 20,67 | 1ª/2ª/3ª | 16,48 | 1ª/2ª/3ª |
0 – 120 | 40,15 | 1ª/2ª/3ª/4ª | 27,70 | 1ª/2ª/3ª |
0 – 140 | – | – | 55,75 | 1ª/2ª/3ª/4ª |
0 – 500m | 24,62 | 1ª/2ª/3ª | 23,18 | 1ª/2ª/3ª |
0 – 1000m | 40,32 | 1ª/2ª/3ª/4ª | 38,00 | 1ª/2ª/3ª/4ª |
Retomada de velocidade em 4ª marcha |
---|
Corcel II | Passat | |
---|---|---|
Variação de velocidade (km/h) | Tempo em segundos | Tempo em segundos |
40 – 60 | 8,12 | 8,45 |
40 – 80 | 17,00 | 16,33 |
40 – 100 | 26,90 | 25,48 |
40 – 120 | 43,05 | 37,88 |
40 – 140 | – | 62,00 |
40 – 1000m | 41,97 | 41,30 |
Velocidade Máxima |
---|
Média de 4 passagens | Melhor passagem | |
---|---|---|
Corcel | 137,667 km/h | 140,625 km/h |
Passat | 146,192 km/h | 148,760 |
Consumo a velocidades constantes |
---|
Corcel II | Passat | ||
---|---|---|---|
Velocidade (km/h) | Marcha usada | Consumo (km/l) | Consumo (km/l) |
40 | 4ª | 18,97 | 15,21 |
60 | 4ª | 16,64 | 14,67 |
80 | 4ª | 15,21 | 13,25 |
100 | 4ª | 11,99 | 11,83 |
120 | 4ª | 9,68 | 9,40 |
40 | 3ª | 15,42 | 13,12 |
Média | 12,22 | 10,93 |
Conclusão
Durante o trajeto realizado com os dois modelos, foi possível identificar algumas qualidades e falhas dos projetos. Enquanto o Passat se mostrou um carro de maior desempenho e estabilidade, o Corcel II apresentou um interior mais confortável para os ocupantes dos bancos dianteiros e uma direção mais suave e silenciosa. A ausência, no Corcel, de equipamentos como temporizador do limpador do pára-brisa e um simples indicador de temperatura da água, de série no Passat LS, poderiam ser sentidas pelos proprietários na época. Ao mesmo tempo, o melhor acabamento da Ford certamente cativava uma parcela dos consumidores.
Nos números de desempenho e consumo que podem ser obtidos em publicações da época, nada mais que o esperado: o Passat levava vantagem clara em velocidade máxima, aceleração e retomadas, enquanto o Corcel II vencia todos os quesitos de consumo.
Em resumo, tanto o Passat quanto o Corcel tinham mecânica robusta e confiável, possuíam uma ampla rede de concessionárias no Brasil para atender em caso de necessidade e serviam bem a uma família pequena. A escolha por um ou por outro recaía sobre critérios pessoais e ainda hoje, após 40 anos, é possível vê-los no uso diário, principalmente nas cidades do interior. Não há dúvidas de que ambos tem grande importância na história da indústria automotiva brasileira e ainda possuem uma legião de fãs. Confira abaixo um vídeo e fotos especialmente produzidos para esta matéria.
Admitemos que o Passat tem muito mais estilo q o corcel ii né…
Além de ser mais estiloso, Passat sempre fez sucesso, já tive os dois, Passat é muito mais carro