O objetivo deste artigo é continuar explorando as histórias da indústria automobilística e os modelos que culminaram na produção do Passat, assim como já feito anteriormente com a história dos modelos NSU. Porém desta vez vamos voltar mais de 100 anos no tempo e analisar a história das marcas que se uniram para dar origem a Auto Union, com atenção especial a DKW e Audi.
A história da Audi se inicia com August Horch, em 1909. Horch, que começou a trabalhar com Karl Benz em 1896, funda com alguns sócios a sua própria empresa em Ehrenfeld, distrito de Colônia, no ano de 1899. Em 1901 a produção dos carros, que levavam seu sobrenome, é iniciada. Os primeiros modelos possuíam motores de dois cilindros, com potência entre 5 e 10 HP. A empresa passa por duas mudanças de cidade, sendo em 1902 transferida pra Reichenbach e em 1904 para Zwicwau. Em 1903 a Horch inicia a produção de modelos com motores de 4 cilindros, começando no ano seguinte o desenvolvimento de um motor de 6 cilindros, lançado em 1907.
Em 1909, após divergências de ordem financeira, August Horch é desligado da empresa e funda a August Horch Automobilwerke GmbH, também em Zwickau. Porém, o uso do nome Horch lhe é negado após uma disputa judicial que decidiu que o nome era uma marca registrada legalmente pela empresa original. Como solução, decidiu usar a palavra em latim Audi, que em alemão é traduzido como horchen (ouvir).
Assim, em 1910 é lançado o primeiro modelo da marca, o Audi Typ A, um carro com motor 2,6 litros e 4 cilindros. A produção estimada do Typ A foi de 140 unidades. Os modelos se sucederam utilizando o mesmo padrão de nomenclatura, como o Typ B, Typ C, entre outros. Os motores tiveram sua cilindrada aumentada gradativamente até 5,7 litros, ainda com 4 cilindros.
Em 1924 foi lançado o Typ M, o primeiro Audi com motor de 6 cilindros, com potência de 70 PS (69 HP). Era um automóvel de alto custo, destinado a uma pequena parcela de consumidores, e cuja produção em seus quatro anos no mercado foi de apenas 228 unidades, incluindo os dois protótipos.
Seu sucessor foi o Typ R, também conhecido como Imperator, um automóvel com motor de 8 cilindros em linha, 4872cc e potência de 100 PS (99 HP). Apesar do motor de maior potência, o Audi Imperator trazia alguns retrocessos em relação ao seu predecessor, como o câmbio de 3 marchas no lugar das 4 marchas utilizadas anteriormente, e freios de acionamento mecânico, substituindo os freios de acionamento hidráulico do Typ M. Seu comprimento também era cerca de 13cm menor, assim como seu peso.
Em razão das alterações, seu valor no mercado era de DM 16.575, bem inferior aos DM 22.300 cobrados na época do lançamento do modelo anterior. Mesmo com valor inferior e um motor mais potente, as vendas da Audi continuavam muito baixas, o que poderia levar a empresa ao seu fechamento.
Enquanto isso, em 1916, o engenheiro dinamarquês Jørgen Skafte Rasmussen fundava na cidade alemã de Zschopau a DKW (Dampf Kraft Wagen, ou veiculo movido a vapor). A empresa produzia motores a vapor e peças de reposição para diversos tipos de aparelhos, além de desenvolver um veículo movido a vapor, com financiamento de autoridades militares alemãs. No entanto, após o fim da 1ª Guerra Mundial o interesse por esta tecnologia diminuiu drasticamente e em 1921 o projeto foi cancelado.
Em paralelo a isso, a empresa adquiriu os direitos de produção de um pequeno motor 2 tempos, de apenas 18 cilindradas, para uso em brinquedos, que foi modificado e instalado em uma motocicleta, recebendo o nome de Das Kleine Wunder, ou A pequena maravilha. A primeira moto DKW foi lançada em 1922, iniciando assim uma trajetória de sucesso da marca que chegou a ser a maior fabricante de motocicletas do mundo.
O início da produção de carros pela DKW se deu em 1928, com o P15, um pequeno automóvel com motor 2 tempos de 584cc e que desenvolvia a potência de 15 PS, conforme a numeração em seu nome indicava. O P15 possuía estrutura feita em madeira, com boa parte da carroceria recoberta por couro, e era disponível nas versões cabriolet e roadster.
Cerca de 2000 unidades do P15 foram produzidas. Neste mesmo ano, com a crise instalada na Audi, Rasmussen adquire a maior parte desta empresa, tornando-se sócio majoritário. Além disso, ele compra o maquinário da falida fábrica norte-americana Rickenbauer e passa a utilizar seus motores de 6 e 8 cilindros nos modelos Audi.
Em 1929, a DKW apresenta um novo automóvel: o P25. Com motor de 4 cilindros em V de 980cc, este modelo também ficou conhecido como 4=8, uma alusão ao fato do motor de 4 cilindros e 2 tempos ter a mesma força de um motor 4 tempos de 8 cilindros. Essa mesma comparação foi utilizada anos mais tarde, até mesmo no Brasil, com a expressão 3=6, como veremos adiante.
A linha com motores V4 permaneceu em produção até 1940, com alguns modelos que sucederam o P25, como o V800, o Schwebeklasse e o Sonderklasse. O motor também sofreu alterações ao longo dos anos, chegando até a 1054cc. Essa linha era produzida na fábrica do distrito de Spandau, em Berlim.
Em 1931, em meio as já mencionadas baixas vendas de seus modelos luxuosos e consequente subutilização da fábrica, resultantes da crise econômica, a Audi lança o Typ P. O modelo era uma tentativa de uma versão mais simples e barata da linha. O carro era basicamente um DKW 4=8, porém com motor de 4 cilindros e 4 tempos de 1122cc.
Para evitar o gasto de tempo e dinheiro no projeto de um novo motor com essas características, dado que os modelos Audi utilizavam motores de 6 e 8 cilindros, Rasmussen utilizou neste modelo os motores do Peugeot 201. O Typ P era oferecido ao público apenas na versão de 2 portas. Porém, as vendas deste modelo foram muito baixas, com cerca de 400 unidades em 1931 e 1932. Em 1932 o Typ P foi descontinuado e a Audi voltou o seu foco novamente apenas para os modelos maiores.
Ainda em 1931, a DKW termina o desenvolvimento da série F, com tração dianteira, que apesar de não ser algo inédito, também não era a configuração tradicional da época. A série F possuía motor de 2 cilindros, inicialmente com 584cc e 18cv de potência. O F1, primeiro modelo da série, foi produzido até 1932, sendo substituído pelo F2. A linha continuou posteriormente, do F4 até o F8, com diversas alterações estéticas, além do motor de 700cc. A série F estava entre os carros mais vendidos da Alemanha, e a substituição dos modelos após pouco tempo de produção era uma estratégia de marketing da DKW, realizada com sucesso.
A Auto Union
No dia 29 de junho de 1932, com a situação econômica mundial agravada pela crise e por sugestão do Saxon National Bank, que havia financiado a expansão dos negócios de Rasmussen, DKW e Audi se unem a Horch e a divisão de veículos automotores da Wanderer. Esta última fabricante, ainda não citada no artigo, havia sido fundada em 1896 na cidade de Chemnitz com o nome Winklhofer & Jaenicke e produzia motocicletas desde 1902 e automóveis desde 1913.
Em 1911, passou a adotar o nome Wanderer em seus veículos. Seus carros estavam na categoria dos médios e possuíam motores de 4 cilindros. Em 1929 a divisão de motos foi vendida, e por isso apenas a divisão de automóveis foi incorporada em 1932 a Auto Union.
A nova empresa passava a se chamar Auto Union AG, porém as 4 montadoras continuavam a produzir seus veículos com suas respectivas marcas. A DKW seguia com motocicletas, modelos pequenos e sua tradicional mecânica 2 tempos. A Wanderer ficou com a faixa dos veículos médios, enquanto a Audi atuava nos modelos de luxo médio. A Horch ficou com a produção dos modelos de luxo do topo do mercado. A Auto Union já nascia como a segunda maior montadora da Alemanha, com produtos que poderiam atender a todo o mercado.
Em 1938, a DKW apresentava 17,9% de participação no mercado interno da Alemanha, sendo o melhor índice entre as marcas da Auto Union. No mesmo período, a Wanderer apresentava 4,4% do mercado, enquanto a Horch alcançava 1,0% e a Audi apenas 0,1% das vendas no mercado alemão.
Com o início da 2ª Guerra Mundial, em 1939, boa parte das indústrias alemãs tiveram suas atividades alteradas para a produção de veículos e artigos militares. A produção de automóveis pelas marcas da Auto Union foi drasticamente diminuída, até ser interrompida. A Audi foi a primeira marca a desaparecer do mercado, produzindo suas últimas unidades em 1939. Em março de 1940, foi a vez da Horch e seus luxuosos modelos deixarem de ser oferecidos para o público. A Wanderer produziu seu modelo W23 até 1941 e sua fábrica foi destruída em 1945. O DKW F8 foi vendido até 1942. A partir desse período, toda a produção da Auto Union foi destinada a fins militares.
Somente após o fim da guerra as atividades da Auto Union foram retomadas. Com a Alemanha agora dividida e a cidade de Zwickau fazendo parte do território oriental, restou aos executivos da Auto Union procurarem um local no lado ocidental para recomeçar. O primeiro passo foi a fundação do Zentraldepot für Auto Union Ersatzteile GmbH, em Ingolstadt. Essa nova empresa tinha o objetivo de produzir as peças de reposição necessárias aos Auto Union que sobreviveram a este período. O antigo registro da Auto Union AG foi cancelado em 17 de agosto de 1948.
Com financiamento do governo da Bavária, a nova Auto Union GmbH foi fundada em 3 de setembro de 1949, também na cidade de Ingolstadt. Com a economia esfacelada, como aconteceu em diversos países europeus, havia demanda por transporte barato e pouco espaço para veículos de luxo. Assim, a marca DKW volta a cena com a motocicleta RT 125 e o furgão F89 L, também conhecido como Schnellaster, que utilizava a mesma mecânica do F8 produzido até 1942, de 2 cilindros e 688 cm³.
Em 1950 a Auto Union lança o DKW F89, ou Meisterklasse. O modelo foi baseado no protótipo F9, que viria substituir o F8 porém não chegou a ser produzido por ocasião da guerra. Com desenho mais suave do que os modelos anteriores, o F89 foi oferecido na versão 2 portas, station wagon e conversível, sendo produzidos na nova fábrica de Dusseldorf. A mecânica permanecia a mesma, de 2 cilindros, com caixa de marchas de 3 velocidades. A partir de 1953 foi oferecida a caixa de 4 velocidades.
A linha de veículos de passeio é aprimorada em 1953 com o lançamento do modelo F91, também conhecido como Sonderklasse, nomenclatura já utilizada previamente pela montadora. Neste modelo, a mecânica foi trocada para um novo motor de 3 cilindros e 896 cm³. O F91 foi apresentado no mês de março daquele ano, no Frankfurt Motor Show, sendo produzido até 1959. Neste período, a fábrica utilizou a nomenclatura 3=6, inicialmente como um slogan publicitário, remetendo ao 4=8 utilizado décadas antes. Posteriormente, um emblema 3=6 foi adicionado ao modelo.
Em abril de 1958, a Daimler-Benz adquire cerca de 88% da Auto Union, passando a controlar a empresa. No ano seguinte, o restante da empresa também é vendido para a Daimler-Benz, que torna-se a dona de 100% da Auto Union. Neste momento a linha de veículos DKW já era ainda mais variada, contando com o F94, o jipe Munga, o Auto Union 1000, o esportivo 1000SP, além do furgão Schnellaster que continuava sendo produzido. Após a compra pela Daimler-Benz, a primeira mudança na linha foi o início da produção do compacto DKW Junior, em 1959.
Na segunda parte deste artigo, falaremos como a marca Audi foi relançada no mercado após quase 30 anos de inatividade, com o modelo F103, e como foi a trajetória da Auto Union no Brasil. Aguarde!
Belíssimo texto. Li sobre a Horch esses dias. Aguardamos a proxima parte.
Como é bom ler sobre os primórdios dos automóveis, num texto leve e preciso!!!
Parabéns!!
Muito bom o texto, parabéns !